segunda-feira, 23 de setembro de 2019

  O Outono em nossas vidas



  E chega a estação mais bonita do ano. Como a natureza é tão sábia por si mesma que sabe a hora exata de amarelar, secar as folhas e caírem. É a vida que segue e se renova. A morte de velhas crenças e o renascimento de novos ideais.

  Os dias tornam-se iguais às noites. O friozinho chega de mansinho e nos ensina a nos recolhermos e refletirmos sobre nossas vidas. Tudo o que foi semeado, o que se colheu e o que se aprendeu neste percurso. E o mais importante é agradecer por este caminho de aprendizado. E o que ainda não foi realizado? Bem, isto pode ser planejado para o novo ciclo que recomeçará. São as sementes que brotam mais tarde na primavera.

  O bonito da vida é esta capacidade de renascer, recomeçar, descobrir o novo, o bom, o que nos faz realmente felizes. Mas para isto ocorrer é preciso deixar as folhas caírem e irem embora com o vento. É preciso desprendimento. Deixar morrer sentimentos, pensamentos enraizados, convicções, medos, velhos hábitos. Acreditar que o novo que nasce vem para o nosso desenvolvimento, nosso bem.

  Se permanecemos apegados ao que nos faz mal e nos pesa, apenas por medo da mudança, impedimos o ciclo natural da vida de renovação e renascimento.
E quando a primavera chegar com seus frutos, mostrará que nunca é tarde para realizar mudanças.

  Mudança e desapego podem ser simples atos de limpar o armário e doar objetos e roupas esquecidos no meio de tantos. Cortar pensamentos negativos e crenças limitantes que nos impedem de acreditar no nosso próprio crescimento.

  Quando eu mudei de país, deixei para trás uma vida, casa, profissão, amigos na busca de encontrar a tal felicidade. Eu trazia apenas duas malas. Só o essencial cabia ali. A fé nunca me deixou desistir. E entre tantos obstáculos e dificuldades eu consegui renascer numa árvore mais forte.

   Conheci pessoas maravilhosas que me guiaram e ajudaram e outras que me ensinaram mesmo por meios não tão bons.

  E a árvore criou raízes e amou esta nova terra que a acolheu. Vieram os frutos e os pássaros para cantar e alegrar. Novos amigos, pacientes queridos e gente que necessitava dos meus cuidados. Eu fazia parte daquele novo lugar e o lugar fazia parte de mim. A minha alma estava finalmente feliz. Os invernos rigorosos e os outonos dourados foram necessários para o meu aprendizado. O caminho era o que realmente importava e não o destino.

  Agora toda vez que vejo estas lindas árvores douradas que sabem exatamente a hora de se desprender de suas folhas penso em me tornar mais leve, o que posso mudar em mim para melhorar como ser humano.

  E aproveito para pular e pisar nas folhas secas brincando como criança que ama viver.

  Que tal experimentar?



segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Histórias de Portugal


"Orelhas de coelhinho"


  Moluscos contagiosos e verrugas virais traumatizam as crianças. Eles são altamente contagiosos e se multiplicam muito rapidamente. Em pouco tempo o paciente já apresenta muitas lesões, dependendo do seu estado imunológico. Os métodos de remoção então costumam ser dolorosos.   
  
  Hoje, por acaso, veio uma miúda de 8 anos com uma série deles. Entrou no meu consultório cheia de medo, os olhinhos tão arregalados. Já sofrera antes com outros procedimentos e outros serviços dermatológicos.
   
  Ela vestia um lindo e grande laço branco na cabeça que mais pareciam orelhas de coelhinho. Falava como um adulto. Contava a história como ganhara as lesões e sabia cronologicamente os factos. Queria saber dos riscos e dores. Então combinei de lhe aplicar um creme anestésico e esperar muito tempo até ele fazer seu efeito. A miúda não tinha pressa. Podia esperar. Afinal gostou muito da minha marquesa (maca) e ficou deitada ali confortavelmente. Como eu precisava atender outros pacientes, coloquei-a na sala de espera. E a cada paciente que eu chamava, ela me mandava um”tchauzinho”. 

   A sala de espera do hospital já estava lotada e a miúda foi para um cantinho escondido no final da mesma. Mesmo assim, eu conseguia ver ao longe as pontinhas das "orelhas de coelhinho brancas".

   A certa hora me dei conta de que já devia chamá-la. Mas não a encontrei. Olhava de um lado para o outro e os pacientes que também esperavam apontaram para a casa de banho.

  A secretária foi buscá-la. E...nada. A casa de banho vazia. Neste ponto os pacientes que estavam ao lado da miúda já se preocupavam. A mãe já não estava ali também. De certo tinham desistido de esperar ou o medo falou mais forte.

  Então alguém se lembrou de que o hospital estava com obras. Portas abertas, outras bloqueadas, tapumes, material de construção. Um lugar fértil para se esconder. Onde estariam as minhas "orelhas de coelhinho"?

  Na recepção ninguém as vira sair. A sala ía se esvaziando e o dia quase no fim das consultas.

  Quando eu já havia desistido de procurar, um outro paciente de outro médico veio me trazê-la. É empolgante a solidariedade nestas horas. Estavam todos engajados em encontrá-la. 

  Consegui com o consentimento dela remover todos os "bichinhos". E contávamos um a um enquanto os destruíamos. Foi uma grande guerra. Ao final do procedimento ela me diz:” doutora obrigada por ser tão boa comigo”. Nem queria saber mais por onde ela andara.

  Mais um dia ganho rs.