segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Histórias de Portugal


"Orelhas de coelhinho"


  Moluscos contagiosos e verrugas virais traumatizam as crianças. Eles são altamente contagiosos e se multiplicam muito rapidamente. Em pouco tempo o paciente já apresenta muitas lesões, dependendo do seu estado imunológico. Os métodos de remoção então costumam ser dolorosos.   
  
  Hoje, por acaso, veio uma miúda de 8 anos com uma série deles. Entrou no meu consultório cheia de medo, os olhinhos tão arregalados. Já sofrera antes com outros procedimentos e outros serviços dermatológicos.
   
  Ela vestia um lindo e grande laço branco na cabeça que mais pareciam orelhas de coelhinho. Falava como um adulto. Contava a história como ganhara as lesões e sabia cronologicamente os factos. Queria saber dos riscos e dores. Então combinei de lhe aplicar um creme anestésico e esperar muito tempo até ele fazer seu efeito. A miúda não tinha pressa. Podia esperar. Afinal gostou muito da minha marquesa (maca) e ficou deitada ali confortavelmente. Como eu precisava atender outros pacientes, coloquei-a na sala de espera. E a cada paciente que eu chamava, ela me mandava um”tchauzinho”. 

   A sala de espera do hospital já estava lotada e a miúda foi para um cantinho escondido no final da mesma. Mesmo assim, eu conseguia ver ao longe as pontinhas das "orelhas de coelhinho brancas".

   A certa hora me dei conta de que já devia chamá-la. Mas não a encontrei. Olhava de um lado para o outro e os pacientes que também esperavam apontaram para a casa de banho.

  A secretária foi buscá-la. E...nada. A casa de banho vazia. Neste ponto os pacientes que estavam ao lado da miúda já se preocupavam. A mãe já não estava ali também. De certo tinham desistido de esperar ou o medo falou mais forte.

  Então alguém se lembrou de que o hospital estava com obras. Portas abertas, outras bloqueadas, tapumes, material de construção. Um lugar fértil para se esconder. Onde estariam as minhas "orelhas de coelhinho"?

  Na recepção ninguém as vira sair. A sala ía se esvaziando e o dia quase no fim das consultas.

  Quando eu já havia desistido de procurar, um outro paciente de outro médico veio me trazê-la. É empolgante a solidariedade nestas horas. Estavam todos engajados em encontrá-la. 

  Consegui com o consentimento dela remover todos os "bichinhos". E contávamos um a um enquanto os destruíamos. Foi uma grande guerra. Ao final do procedimento ela me diz:” doutora obrigada por ser tão boa comigo”. Nem queria saber mais por onde ela andara.

  Mais um dia ganho rs. 


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